Em sua maior goleada no Carioca, Portuguesa atropelou o Madureira por 6 a 0
Fabiano Gouvêa e Stéfano Salles*
A Portuguesa que esse ano encantou no Campeonato Carioca, onde alcançou a terceira posição e obteve a melhor campanha da história, terá dificuldades para voltar a repetir o placar mais elástico de sua trajetória de 46 participações na competição. O Observatório do Futebol Fluminense aproveita a ocasião para lembrar outro momento de orgulho: a maior goleada da equipe rubro-verde em jogos do Estadual. Foi um sonoro 6 a 0 sobre o Madureira, na rodada de abertura da edição de 1958. Há tanto tempo que o clube rubro-verde sequer estava sediado naquele local que hoje é considerado parte de seu nome: a Ilha do Governador.
O ano era 1958, pouco depois de o Brasil ter se sagrado campeão mundial pela primeira vez, na Suécia. Do lado de cá do Atlântico, o bairro da Cosmos, na Zona Oeste, se tornara casa da Lusa. Seus jogos eram no acanhado Estádio Comendador Serafim Sofia, propriedade do extinto Rosita Sofia, clube do antigo Departamento Autônomo que entrou para o anedotário esportivo pelas crônicas de Nelson Rodrigues. O cronista do cotidiano gostava de usá-lo como métrica de time ruim. Não dizia que um time qualquer era fraco. Dizia que ele não daria sequer trabalho ao Rosita Sofia.
É verdade que a casa não estava à altura do futebol da Portuguesa, mas a equipe lusitana também não desceu seu nível para complicar as coisas. Adversário da estreia, o Madureira vinha de um surpreendente vice-campeonato no Torneio Início, tendo perdido o título em jogo derradeiro contra o Vasco. Justamente o adversário diante o qual a Portuguesa se despedira uma fase antes, derrotada nos pênaltis, depois de empate em 0 a 0. Antes, passara por Olaria e Fluminense, levando sempre a melhor na loteria das penalidades.
O Madureira, vice-campeão, tinha ainda o meia-armador Nair, o mesmo que adiante brilharia com as camisas de Portuguesa de Desportos e Corinthians. Ele também participaria da histórica viagem do Tricolor Suburbano a Cuba, em 1963. O clube da Rua Conselheiro Galvão chegava àquele jogo depois de ter deixado gigantes pelo caminho no Torneio Início. Na campanha, eliminou a dupla Botafogo e Flamengo.
Eram credenciais de respeito, mas que não durariam mais que três minutos. Esse foi o tempo que o centroavante Lua, que fazia seu primeiro jogo como profissional, precisou para abrir o placar, contando com uma colaboração da defesa tricolor. Com o caminho aberto, Hélcio aproveitou para ampliar a vantagem sete minutos depois. De cabeça, ele encobriu o goleiro Eli para fazer o segundo.
“A partida, disputada na tarde de ontem, vinha, assim, justificadamente, despertando interêsse entre os adeptos dos dois clubes. Entretanto, o Madureira decepcionou. E porque não confirmasse a expectativa, sofreu uma chocante goleada, perdendo para a Portuguesa pela elevada contagem de seis tentos a zero” — O Globo, 21 de julho de 1958.
A vantagem confortável seguiu até o intervalo, com domínio lusitano no remodelado estádio do Rosita Sofia. Mas quem brilhou naquela tarde foi Lua. Aos dois minutos, marcou o terceiro e, aos 13, o quarto gol da partida, concluindo seu hat-trick. Feito que, por várias rodadas, o deixaria na disputa pela artilharia do Campeonato Carioca, mas uma lesão o afastou da briga. Com 14 gols, terminou distante do alvinegro Quarentinha, ainda hoje o maior artilheiro da história do Glorioso, que marcou 20. Mas a bola não parou de rolar após o gol do centroavante lusitano. Aos 30, Ronaldo ampliou e, três minutos depois, selou o placar em Cosmos.
O jornal O Globo do dia seguinte, contudo, enfatizou o que considerou ser um péssimo desempenho do Madureira. Depois de relembrar o desempenho das equipes no Torneio Início, narrou assim: “A partida, disputada na tarde de ontem, vinha, assim, justificadamente, despertando interêsse entre os adeptos dos dois clubes. Entretanto, o Madureira decepcionou. E porque não confirmasse a expectativa, sofreu uma chocante goleada, perdendo para a Portuguesa pela elevada contagem de seis tentos a zero”.
Em outro trecho, o diário elogia, sem no entanto se demonstrar plenamente convencido do nível de competitividade rubro-verde: “Contagem que a Portuguesa obteve jogando bem e melhor, contra um adversário que nada fêz de elogiável”.
Nas rodadas seguintes, o time dirigido por Lourival Lorenzi foi consistente contra os pequenos e conseguiu roubar alguns pontos dos grandes, como em uma vitória por 3 a 2 sobre o Fluminense, com dois gols de Lua, na 10ª rodada, e outra sobre o Vasco, por 2 a 1, no dérbi da colônia, na 16ª. No entanto, o treinador custou a encontrar um equilíbrio para o time, que marcava e sofria gols com a mesma facilidade com que sugerem os resultados: empate em 5 a 5 com o São Cristóvão, na quinta rodada, e derrota por 5 a 4 para o América, na 17ª.
Os resultados fizeram a Portuguesa alcançar sua melhor classificação na história do Campeonato Carioca até então, um honroso sétimo lugar. Isso representava a melhor campanha entre os pequenos, em um tempo no qual América e Bangu ampliavam, por desempenho, a galeria de grandes clubes da competição. Com 42 gols marcados, a Lusa teve o quinto ataque mais positivo, atrás apenas de Flamengo, Botafogo, Vasco e América. No entanto, com a terceira pior defesa, não escapou do saldo negativo em oito gols. Mesmo tendo aberto ampla vantagem em uma estreia inesquecível.
Os destaques daquele time sensação do Carioca não permaneceriam em Cosmos, como era natural. Todos foram alçar voos maiores, deixando saudade no clube da colônia. Lua foi para o Santos de Pelé, Macalé fechou com o Botafogo, enquanto Russo teve como destino um ambiente bem familiar para quem deixava a Portuguesa: São Januário. No ano seguinte, Ronaldo também tomou o rumo da Colina.
*Pesquisadores-fundadores do Observatório do Futebol Fluminense (OFF)